O governo brasileiro busca uma reaproximação com a Angola por meio da diversificação da pauta comercial para além do agronegócio e do petróleo, setores que dominam a relação bilateral. O fluxo de comércio entre os países caiu após 2015 em função dos efeitos da Operação Lava Jato, da competitividade da China e de crises econômicas.
Com uma história inicialmente conectada pelo comércio de trabalhadores escravizados – Angola foi a principal fonte de mão de obra escrava do Brasil – o país hoje de 36 milhões de habitantes, que tem o português como língua oficial, abriga a maior comunidade de brasileiros vivendo na África: cerca de 30 mil pessoas.
Na primeira viagem à África no atual mandato, em agosto de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou Luanda, a capital, com objetivo de ampliar as trocas comerciais.
“Começamos por um país que sempre foi nossa maior ponte com esse continente irmão. Nos últimos anos, o Brasil tratou os países africanos com indiferença. Vamos corrigir esses erros. E vamos alçar nossa parceria estratégica a um novo patamar. O Brasil quer apoiar Angola no esforço de diversificar sua economia”, disse o presidente .
Na ocasião, foram assinados acordos de cooperação em áreas como turismo, educação, saúde, agricultura e exportação. Lula ainda inaugurou a galeria Ovídio de Andrade Melo, em Luanda, centro cultural ligado ao Itamaraty dedicado à arte e cultura brasileira e angolana.
A atenção especial dada à Angola no terceiro mandato do governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi coroada com a inauguração do Consulado-Geral do Brasil em Luanda, capital do país, em fevereiro deste ano. É o único consulado-geral do país na África.
Em 23 de maio deste ano, foi a vez de o presidente de Angola, João Lourenço, visitar Brasília , no marco dos 50 anos da independência do país africano, sendo o Brasil a primeira nação a reconhecer Angola após a libertação do colonialismo português, em 1975.
“Nós constatamos que, efetivamente, o Brasil está de volta à África. E o exemplo disso é que, nesse período de cerca de dois anos, conhecemos uma intensa troca de delegações, da Angola para o Brasil e do Brasil para Angola”, afirmou João Lourenço.
Na ocasião, foi anunciado acordo nas áreas de defesa e segurança. “A Embraer está à disposição para a restauração da frota angolana de aeronaves Super Tucano e o fornecimento de aeronaves adicionais”, disse Lula.
O professor de história da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Gilberto da Silva Guizelin, que estuda as relações Brasil-Angola, avalia que a reaproximação do Brasil foi significativa no atual mandato.
“Com o impeachment e os governos Temer Bolsonaro, há praticamente um congelamento dessas relações. Ambos os governos vão fechar embaixadas e postos diplomáticos no continente africano. Nem Temer nem Bolsonaro fizeram uma única viagem à África. Tem viagem de ministros, mas não há uma diplomacia presidencial, como a gente verificou no governo Lula, por exemplo, e no governo José Sarney”, destacou o especialista.
O fluxo comercial entre os países, desde o fim do tráfico de escravos, sempre foi residual. A partir do primeiro governo Lula, ultrapassa a marca de US$ 1 bilhão, chegando ao ápice de US$ 4 bilhões em 2008, com uma queda grande a partir de 2015 (US$ 0,67 bilhão).
Atualmente, Angola representa o destino de apenas 0,2% do total exportado pelo Brasil, sendo apenas 0,4% das nossas importações , segundo dados de 2024.
A professora de relações internacionais da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Elga Lessa de Almeida explicou que a relação comercial entre os dois países nas últimas décadas esteve pautada pelas oscilações do mercado de petróleo.
“Quando você pega o gráfico do preço do petróleo, ele vai fazer o movimento igualzinho. É uma relação comercial muito dependente do petróleo porque essa é a principal riqueza de Angola, que ainda é muito dependente do petróleo”, explicou a especialista.
As exportações de Angola para o Brasil são formadas por óleos brutos de petróleo (94%) e óleos combustíveis de petróleo (6,2%), principalmente. Já as exportações brasileiras para o país africano são principalmente de carnes bovinas, suínas e de aves congeladas ou refrigeradas (30%), açúcares e melaços (23%), entre outros.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), a queda na corrente comercial entre Brasil e Angola em 2015 pode ser explicada, em grande parte, pelas crises econômicas enfrentadas por ambos os países à época, acompanhadas pela queda no preço do petróleo no período.
“Isso pode ter impactado a capacidade de importação de Angola. Já o crescimento de 143% entre 2021 e 2022 pode ser atribuído à recuperação econômica pós-pandemia, com retomada da demanda global e regional”, informou, em nota, a pasta.
O MDIC espera que o volume de comércio entre Brasil e Angola continue a se expandir nos próximos anos. “Entre os principais desafios estão questões estruturais, como a limitação da capacidade de pagamento e financiamento por parte dos importadores angolanos, além de barreiras logísticas e operacionais”, informou o ministério.
A queda no fluxo comercial entre Brasil e Angola a partir de 2015 esteve vinculada à baixa nos preços do petróleo naquele período – o que jogou também a Venezuela em crise –, além das repercussões da Lava Jato nas construtoras brasileiras e da expansão da influência econômica da China no continente africano.
O professor Gilberto da Silva Guizelin destacou que houve certo afastamento político e diplomático com a África a partir do governo de Dilma Rousseff, que deu maior atenção ao Brics.
“Além de ser um reflexo desse esfriamento político, é um reflexo da campanha da Lava Jato, porque a Odebrecht, a Andrade Gutierrez, todas essas construtoras, vão ser envolvidas na investigação da Lava Jato, e os acordos que elas tinham com Angola vão ser listados nesses processos. A Odebrecht vai chegar a pedir falência”, lembrou.
O historiador explicou que as construtoras brasileiras precisavam do financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para operar no exterior. Com a Lava Jato, parte desse financiamento foi cortada.
Em 2015, o BNDES suspendeu os desembolsos para exportações de bens e serviços de engenharia de construtoras brasileiras. Dos contratos suspensos, quatro eram em Angola e somavam US$ 808 milhões .
O BNDES explicou à Agência Brasil que oferece linhas de crédito à exportação para Angola desde 2005, tendo sido realizadas 91 operações de apoio a 11 exportadores ao longo de 14 anos, somando R$ 3,4 bilhões. O último desembolso realizado foi em 2015.
“Vale lembrar que todos os desembolsos do BNDES são realizados no Brasil, em reais, para os exportadores brasileiros, contribuindo para a geração de emprego, renda e divisas para os brasileiros. É importante destacar que Angola nunca esteve inadimplente com o BNDES e liquidou sua dívida integral e antecipadamente em 2019”, ressaltou a instituição financeira.
Somada ao fim ou à suspensão dos financiamentos, a entrada da China na África a partir de 2010 tomou espaço das empresas brasileiras, oferecendo empréstimos e levando suas companhias de construção civil, como destacou o o professor Guizelin.
“Para você ter uma ideia, Angola vai sediar uma Copa das Nações Africanas, e todos os estádios criados para sediar essa Copa em Angola foram construídos por construtoras chinesas. Todos. As construtoras chinesas são financiadas pelo próprio Estado chinês”, informou.
Existe certa dificuldade em diversificar essa pauta devido às limitações das economias de ambos os países, avalia ainda a professora Elga Lessa, que também leciona na Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB).
“A gente tem essa limitação de comércio. Nos governos Temer e Bolsonaro, houve redução de investimentos da Petrobras na África e parte desses investimentos era em Angola”, acrescentou.
Segundo a especialista, havia uma grande expectativa de cooperação com a Petrobras uma vez que Angola também encontrou petróleo no pré-sal de sua costa marítima. “Eles tinham muita expectativa dessa parceria, dessa cooperação, em relação a essa exploração. E aí, a Petrobras sai e retira investimentos”, completou Elga.
Na visita do presidente angolano ao Brasil, no mês passado, foi assinado um memorando de entendimento de pesquisa e desenvolvimento entre a Petrobras e a Sonagol, a estatal angolana do setor.
Lula defendeu a retomada das atividades da petroleira brasileira na costa de Angola. “É importante que a Petrobras volte a ter uma participação ativa na prospecção, na pesquisa de combustível fóssil e também de petróleo e também de gás. Nós estamos modernizando os instrumentos de garantia de crédito às exportações”, disse.
Outra frente da reaproximação do Brasil com Angola é no setor da agricultura, por meio de transferência de tecnologia e apoio à irrigação para o desenvolvimento do setor no país africano que tem áreas semiáridas na parte sul do território, com memorando de entendimento assinado nessa área.
“Estamos desenvolvendo um programa no Vale do Cunene [região semiárida] que será um novo paradigma na nossa cooperação com a África. Em vez de iniciativas pontuais e isoladas, o programa vai reunir 25 ações que se complementam, todas com o objetivo de promover o desenvolvimento agrícola dessa região”, afirmou Lula, em Luanda.
O professora Elga Lessa lembrou que a cooperação via agricultura com Angola é um projeto que vem desde os primeiros mandatos do governo Lula. “A ideia era exportar o modelo de negócio do agro brasileiro para Angola. Mas não teve, a época, os resultados esperados”, comentou.
Segundo a especialista, o setor agrícola de Angola entrou em decadência. “Durante muito tempo, se esqueceu desses setores porque a economia ficou toda centrada no petróleo. Agora, eles estão querendo retomar o desenvolvimento agrícola”, acrescentou.