Há cinco anos em vigência, o Marco Legal do Saneamento tem ajudado a incrementar os investimentos para a distribuição de água tratada e para o acesso a coleta e tratamento de esgoto. Apesar de o investimento médio anual ter aumentado 56,5% de 2021 para 2023, chegando ao montante médio de R$ 127 por pessoa, o valor corresponde a apenas 57% dos R$ 223 por pessoaestabelecidos pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab).
As disparidades são ainda maiores quando se avalia as diferentes regiões do Brasil: no Norte, a média de investimento anual é de R$ 66,52 por habitante e, no Nordeste, de R$ 87,21 — muito abaixo dos R$ 171,49 registrados para o Sudeste. Os dados são do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa – 2023).
O Marco do Saneamento uniformiza os prazos e critérios para todo o país: até 2033, 99% da população deve ter acesso à água. Hoje, ainda há 30 milhões de brasileiros desprovidos desse serviço. O país também precisa atingir 90% de acesso à coleta e tratamento dos esgotos, serviço que hoje não é prestado a 90 milhões de brasileiros. Ainda, as perdas de água devem ser reduzidas dos atuais 40% para 25%.
Após a aprovação do Marco, em 2020, o tema continua a ser recorrente no Senado, que em abril deste ano aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que transforma o acesso ao saneamento básico em um direito constitucional para todos os brasileiros ( PEC 2/2016 ). A matéria aguarda votação da Câmara dos Deputados.
O tema também esteve em debate na terça-feira (2) na Comissão de Desenvolvimento Regional (CDR), que escolheu o Programa Saneamento Básico, previsto no Plano Plurianual (PPA) 2024-2027, como política pública a ser analisada neste ano. Para o senador Jorge Seif (PL-SC), autor do requerimento para a audiência pública, apesar dos avanços do marco do saneamento, o Brasil segue investindo pouco.
— Segue sendo uma pauta sem a devida prioridade. Nós sabemos que água e esgoto são questões de dignidade. Não é luxo nenhum você tomar banho no chuveiro, ter saúde, proteger a natureza, rios, córregos. Muitas vezes esgotos são lançados a céu aberto, destruindo a vida, trazendo doenças — afirmou o senador.
A diretora-presidente da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), Veronica Sanchez da Cruz Rios, afirma que durante muitos anos o Brasil investiu pouco em saneamento básico de forma recorrente, e a aprovação do marco legal mudou isso: em 2019 eram cerca de R$ 14 bilhões por ano, montante que passou a aproximadamente R$ 50 bilhões por ano em 2024, somados recursos públicos — federal, estadual e municipal — e privados. Esses valores ainda são insuficientes, segundo a gestora.
— Estamos muito atrasados. Precisamos de entre R$ 700 bilhões e R$ 900 bilhões para universalizar. Aumentar a rede de água, aumentar a rede de esgoto. Melhorar as infraestruturas que têm mais de 60 anos, para reduzir as perdas, garantir maior eficiência, melhorar os medidores. Além disso, ampliar as redes para atender ao crescimento natural das cidades — explicou.
O maior desafio, segundo Verônica, é incluir populações em áreas irregulares já consolidadas, como favelas, palafitas e grotas.
— A lei prevê que em aglomerados urbanos informais consolidados, dos quais não haja intenção declarada do poder público de retirar as pessoas e que não estejam em área de risco, há o dever de o concessionário prestar o serviço. Então, a lei traz uma série de elementos que trazem segurança jurídica para garantir os o aumento dos investimentos no setor.
A diretora da ANA lembra ainda que o investimento acontece quando há segurança jurídica e estabilidade regulatória, o que irá garantir a continuidade do serviço pela duração do prazo dos contratos — 30 anos, na maioria dos casos.
— Não adianta ter mais investimentos se o regulador não estiver verificando se aquele investimento está indo para a prestação de serviço, para o resultado. Durante muitos anos, o que vimos era uma disponibilização de recursos, inclusive do governo federal, por inúmeros programas que se sucederam, em que o recurso ia para um repasse para uma obra específica, tinha problema na licitação e a obra não se concluía. Quando concluía, não operava. Quando operava, faltava equipamento, faltava o técnico, faltava o material químico para prestar o serviço. Então, o nosso foco é serviço.
Para o técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Gesmar Rosa dos Santos, há necessidade da instituição de um fundo específico, do governo federal, composto de recursos orçamentários e outros, para fomentar a universalização do saneamento.
— Para universalizar, é necessário que as agências reguladoras, a Funasa [Fundação Nacional de Saúde], o governo federal e os [governos] estaduais ajudem os municípios na hora de fazer o contrato de concessão e os processos licitatórios — disse.
Segundo a presidente executiva do Instituto Trata Brasil, Luana Pretto, a universalização do acesso ao saneamento básico se traduz em saúde, educação e geração de emprego. De acordo com números do Instituto, foram registradas 344 mil internações em 2024 relacionadas ao saneamento inadequado.
— Quando levamos saneamento básico para as pessoas, diminuímos o número de doenças. As crianças conseguem ter um desenvolvimento melhor, conseguem ter uma escolaridade média melhor. Temos maior produtividade, uma diferença de salário de quase R$ 1.200 entre quem tem ou não acesso ao saneamento no Brasil, em média. Temos desenvolvimento do turismo e valorização ambiental — enumera Luana.
A universalização do saneamento beneficiaria principalmente a população mais vulnerável. Hoje, o perfil médio de quem não tem acesso ao saneamento adequado é de pessoas com até 20 anos, autodeclaradas pretas, pardas e indígenas e cuja soma da renda da família não ultrapassa R$ 2.400 mensais.
O representante da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (AESBE), Joel de Jesus Macedo, citou três pilares para avançar na universalização: que o saneamento seja prioridade nos repasses federais; que haja metas realistas, principalmente com relação às perdas; e que haja segurança regulatória, com transição gradual, de modo que se estabeleçam normas regulatórias e não se comprometa o acesso ao financiamento.
— O saneamento tem que ser tratado como saúde pública, porque ele gera qualidade de vida e, principalmente, desenvolvimento econômico. Precisamos ter fluxo mais ágeis e prazos definidos. Temos históricos de companhias que estão há cinco, sete anos procurando o financiamento. Precisamos de uma previsibilidade que garanta a segurança e acesso ao crédito do FGTS. O saneamento é o maior tomador de recurso do FGTS. É uma linha de crédito barata, comparado com todas as outras linhas.
Estudo do Instituto Trata Brasil sobre os avanços do Marco do Saneamento aponta que em 1.557 municípios brasileiros já houve captação de recursos por meio de concessões parciais, plenas e parcerias público-privadas (PPPs), com R$ 370 bilhões de investimentos contratados. Esses municípios estão em 21 estados e consolidam 66 projetos com algum modelo de participação privada, que alcançam quase 80 milhões de pessoas.
Outros 1.460 municípios, reunindo mais de 36 milhões de brasileiros, encontram-se em fase de estruturação de projetos. Há ainda municípios que buscam financiamento nacionais e internacionais para buscar investimentos na área.
Luana Pretto explica que em grande parte do Brasil já acontece o processo de regionalização — que é uma das premissas do Marco — mas, em muitos estados, ainda falta a sua operacionalização.
— Não existe uma entidade de governança interfederativa, unindo municípios e estados para que possa ser deliberada a questão do saneamento básico. [Essa] é uma das premissas de união de municípios grandes e pequenos para que haja, enfim, a universalização para todos os municípios, independentemente do tamanho.
Coordenador da Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento de Santa Catarina (Aris), Alison Fiuza compartilhou experiências que estão dando resultado. Como exemplo, ele falou do projeto Tratação, para municípios com menos de 15 mil habitantes, que tem como objetivo identificar a solução de esgotamento sanitário de cada residência.
— A nova lei do saneamento trouxe uma alternativa que é poder utilizar o sistema de soluções individuais como uma alternativa para alcançar o marco regulatório. A agência criou uma normativa que definiu quais são os procedimentos para essa coleta anual da fossa séptica, ou seja, foi uma solução implementada que auxilia a ter um serviço de atendimento a esgotamento sanitário com o menor custo para o marco regulatório — relatou.